Mestrado - A estória inteira

@ 2014-09-02 by João Paulo Pizani Flor

Há dois anos atrás eu comemorei – MUITO – e anunciei pra todo mundo ver a minha aceitação no mestrado com bolsa total na Universiteit Utrecht. Porém, há alguns “detalhes” que eu (em 2012) tinha preferido não contar pra quase ninguém.

Agora me formei (semana passada), defendi a dissertação e vou começar um doutuorado aqui na Holanda. Acredito então que para encerrar este período da minha vida seja interessante relembrar e detalhar o máximo possível aquele tempo nervoso de “transição” entre o bacharelado na UFSC e o mestrado aqui…

Geralmente, quando eu tenho que fazer alguma grande “transição”, eu tenho vários planos: plano A, B, C, etc. Por exemplo, na época do vestibular, a UFSC era meu plano “A” (claro), mas por segurança eu também me inscrevi para o CEFET (plano B) e ProUni (plano C). A mesma coisa aconteceu na ida para o mestrado.

Desde quando voltei da Alemanha (Düsseldorf) em 2010, já tinha o desejo de fazer um mestrado na Europa, mas tudo era então apenas um sonho bem longínquo. A idéia de estudar programação funcional e teoria das linguagens de programação ficou mais próxima quando vim à Utrecht pela primeira vez no verão de 2011; também naquele verão nasceu e cresceu na minha cabeça a paixão por esta cidade, e a idéia de voltar e fazer um mestrado nessa que agora chamo de “minha” cidade ☺

Utrecht - Nederland
Utrecht - Nederland

Juntando esses dois planos europeus (Alemanha e Países Baixos) com mais um sonho antigo (a UNICAMP) e o plano de salvação (UFSC), eu tinha a seguinte lista:

  1. Universiteit Utrecht – Países Baixos, especializado em Programação Funcional
  2. EMECS – Mestrado da União Européia na Alemanha/Noruega, especializado em Sistemas Embarcados
  3. UNICAMP – Também especializado em Sistemas Embarcados / Reconfigurable Computing
  4. UFSC – Provavelmente para continuar no LISHA

E então, por volta da primavera de 2011, começou a estória. Logo depois de formado, mas antes de ter meu “primeiro emprego” tive dois meses preenchidos pela atividade de preencher formulários e cartas. Cartas de motivação, cartas de recomendação, “planos de pesquisa” (para um futuro do qual eu não tinha muita idéia)… Tudo isso em um clima de segredo, até onde me lembro.

Pra refrescar a minha memória (e prover essas memórias de datas) nada melhor que o meu GMail, e a minha antiga política de nunca deletar nada desde 2005.

Em 16/09/2011 mandei um email pra mim mesmo com o assunto “PPGCC - Documentos pra imprimir”. Foi naquele dia que tinha tudo pronto então para a primeira candidatura, ao mestrado na UFSC. Já em Setembro comecei portanto a pedir cartas de recomendação aos meus professores da Computação na UFSC. Cartas que funcionaram muito bem e pelas quais eu sou muito grato.

Agora tudo começa a acontecer “ao mesmo tempo”: já no dia seguinte (17 de Setembro de 2011), recebo um email com assunto “Studielink info”, portanto confirmando meu registro no sistema estudantil nacional da Holanda, o primeiro passo no longo processo que me trouxe a Utrecht.

Em seguida vieram as candidaturas para o mestrado acadêmico na UNICAMP, no EMECS e na Universiteit Utrecht. O dia 12/11/2011 foi provavelmente um dos mais “longos” da minha vida. Fui fazer o TOEFL (exame de proficiência em Inglês) – em Curitiba. Os custos do exame em si (US$ 300) somados com os da passagem de ônibus comprada na última hora chegaram a uma quantia que só poderia ser coberta por um generoso empréstimo da minha maior patrocinadora: minha irmã ☺

Nesse dia, acordei às 2h da manhã, junto com meu pai, que mesmo tendo que ir trabalhar às 6:00 não hesitou em me levar até a rodoviária. Depois de uma viagem com atrasos cheguei à Curitiba, onde chovia muito. Briguei para pegar um taxi, cujo motorista não conhecia muito a cidade e não conseguia evitar o trânsito de horário de pico. Cheguei faltando 5 minutos para o início do exame ao portão de entrada da PUC/PR, e depois de correr na chuva tentando achar o prédio certo, entrei molhado, atrasado, com sono e fome na sala do exame. Quase 4 horas depois saí daquela sala com um alívio tão grande que até esqueci da fome.

Por algum motivo bizarro que não me lembro mais, decidi voltar à pé para a rodoviária, mas logo descobri que meu senso de direção era bom, porém insuficiente, dado que levei uma hora inteira para chegar ao destino; conhecendo no caminho vários viadutos e mendigos da capital paranaense. Depois do almoço em um restaurante “de caminhoneiro” peguei finalmente o bendito ônibus de volta pra Floripa. A viagem de volta, que era pra durar meras 4 horas, durou 10! Precisamos de 5 horas pra ir de Curitiba até a fronteira com Santa Catarina, devido a um caminhão-tanque cheio de gasolina, que havia pegado fogo na descida da serra. Cheguei então em Floripa, de novo com sono, morto de fome e dor-de-cabeça, às 23:30. E lá estavam meus pais me esperando, também mortos de sono, e prontos pra ir trabalhar no dia seguinte às 6:00. Tudo valeu a pena, porém. Tirei 115 no exame, de um máximo de 120, e com bastante folga considerando os 90 pontos necessários pra Utrecht.

No fim de Novembro comecei a trabalhar como programador na 4S Informática, e por um certo tempo houve um “hiato”, um tempo no qual todas as candidaturas a mestrado já tinham sido enviadas mas nenhuma resposta recebida. A primeira resposta veio da UFSC. Positiva, e junto com ela, a minha primeira decisão “forçada”: decidi desistir da vaga na UFSC mesmo sem saber o resultado de nenhuma das outras candidaturas. Logo depois veio a resposta do EMECS: eu tinha sido aceito, mas sem bolsa, o que pra mim era igual a não ser aceito.

Aí então começa o capítulo final (e mais emocionante) da estória: restavam dois dos maiores sonhos – UNICAMP e Utrecht. No dia 29/11/2011 (às 18:30) recebi um email com o assunto “Parabéns! Você foi aceito no Mestrado do IC/UNICAMP”. Pena que eu não podia festejar nem contar pra ninguém. Pena mesmo, já que tinha sido o primeiro colocado dentre todas as candidaturas recebidas naquele ano ☺ E agora começava o dilema, pois ainda esperava por respostas de Utrecht, e o medo era cada vez maior de que eu fosse forçado a desistir da UNICAMP sem saber a resposta da UU.

Fui aceito no programa de mestrado de Utrecht em 04/01/2012, porém sem bolsa, o que tornava minha ida impossível. Havia somente UMA chance de bolsa, com um processo bem complicado e sobre o qual eu tinha nenhuma idéia de quando eles chegariam a uma decisão. Era porém a única chance. O período “normal” de matrículas na UNICAMP já tinha passado (meio de Janeiro), e nenhum sinal de resposta sobre a Utrecht Excellence Scholarship. Havia uma última chance de matrícula na UNICAMP no dia 28/02/2012, um dia antes do começo das aulas em Campinas. Eu tentava obter qualquer informação de Utrecht sobre o que eu podia esperar da bolsa, mas resolvi parar de pressionar quando recebi a seguinte curta resposta da secretária (a mesma secretária, gente finíssima, que ontem me deu as chaves do meu novo escritório).

Dear Joao,

I’m not allowed to go into this matter further.

Traduzindo: “caro João, eu não posso me aprofundar mais nesse assunto”. Eu sabia que ela queria me ajudar, mas não podia.

Nas semanas que se seguiram, eu estava muito estressado. Veja bem, caso 28 de Fevereiro chegasse sem uma resposta de Utrecht, uma das seguintes coisas poderia acontecer:

  1. Eu desistiria da UNICAMP, e logo depois descobriria que não poderia ir à Utrecht, causando arrependimento eterno da desistência da UNICAMP

  2. Eu pediria demissão do meu emprego, me mudaria para Campinas, e então receberia notícias que tinha ganho bolsa em Utrecht. Aí então eu não teria mais emprego, e portanto não teria mais como economizar dinheiro para pagar passagem, visto, etc.

Depois de uma longa conversa com meus pais numa noite de Fevereiro, consegui ficar um pouco mais tranquilo e chegar num plano: eu expliquei, aos poucos, minha situação para a comissão de Utrecht, e comprei uma passagem só de ida para Campinas na manhã do dia 28 de Feveireiro de 2012.

Preparei minhas malas, preparei uma carta de demissão pedindo desculpas pela falta de aviso e explicando tudo (pronta para ser enviada com um clique), e mandei um derradeiro pedido de resposta a Utrecht, um “ultimato”. O texto inteiro desse email era o seguinte (traduzido do Inglês):

Cara Srta. Silkens,

Hoje é 27 de Fevereiro, e já chegamos aos últimos dias do mês. Como eu lhe contei no meu último email, o meu “último minuto” é amanhã (28/02). Caso eu embarque (literalmente) em meu “plano B”, será muito difícil de voltar atrás, mesmo caso receba uma (atrasada) resposta positiva de Utrecht.

Essa dificuldade de voltar atrás se deve ao fato de que, para embarcar no “plano B”, eu teria que desistir do meu atual emprego, e então − MESMO que depois eu descubra que tenha ganho a bolsa de Utrecht – eu não teria mais a minha fonte de renda para economizar e pagar visto, passagem aérea, seguro saúde, etc.

Portanto, eu preciso receber uma resposta sua ainda hoje ou amanhã. A última chance é amanhã de manhã. Eu estarei embarcando no vôo para Campinas às 11 da manhã (hora local da Holanda), então eu preciso receber a resposta até mais ou menos 10:50 (hora da Holanda).

Me desculpe pela insistência. Eu fiz tudo que podia para lhe dar o máximo de MINUTOS possível à espera de uma resposta, e eu espero que eles sejam suficientes.

Muito obrigado.

Depois de todo esse drama, logo na manhã do dia 27 recebi o email que mais me deixou feliz até hoje: tinha sido escolhido para a bolsa “Utrecht Excellence Scholarship”! Liguei escondido (no banheiro da empresa) para minha mãe e disse − sussurrando para ninguém ouvir mas gritando de alegria por dentro: “DESFAZ AS MALAS, MÃE, EU VOU PRA HOLANDA” ☺ No dia seguinte fui ao aeroporto, não para viajar, mas para devolver a passagem. Pelo fato de que eu tinha desistido do vôo pra Campinas na última hora, não me devolveram quase nada do dinheiro pago. Engoli aquele prejuízo, porém, com enorme alegria.

Claro que naquela noite, do dia 28 de Fevereiro de 2012, apenas começava toda a preparação. Economizei tudo que era possível. Por seis meses eu almoçava marmitex, trabalhava, comia e dormia. Não comprava roupas, tinha um computador velho, saía pouco com os amigos. Fazia tudo isso porém, sem achar que era nenhum sacrifício. Pelo contrário, agradecia todo dia e sonhava com o dia 02 de Setembro de 2012 – o dia da chegada, exatamente hà dois anos atrás.

Me perdoem pelo tamanho do texto, e caso tenha erros de português. Escrevi tudo de uma vez só, pois sou perfeccionista, e caso o ficasse revisando, ele não estaria pronto nunca. Pronto, contei a estória toda que teoricamente era segredo. Tô muito curioso pra descobrir se tinha alguém que já sabia dessa estória enquanto ela acontecia…